Previsão de um Futuro Negro
Você já ouviu uma conversinha de que um buraco negro é uma coisa que tem uma força gravitacional tão grande que nem a luz escapa? Então, isso é uma conversa ridícula. Os buracos negros são muito mais que isso e ao mesmo tempo nada disso. Para contar pra você o que são esses indivíduos vou primeiro fazer um comentário sobre a relatividade geral, uma idéinha daquele tal de Einstein sobre como funciona a gravidade.
A gravidade é uma força de atração entre corpos com massa, quanto mais massa mais forte a força, certo? Não para o Albert. O que está por detrás de tudo (mesmo) é que na presença de um corpo massivo a estrutura do espaço e do tempo são diferentes. Diferentes como? A presença da massa modifica o modo como medimos distâncias ou então a duração de um intervalo de tempo. Para ser mais preciso, considere o planeta Terra. Perto da Terra o espaço e o tempo são diferentes de longe dela, a saber o tempo passa mais devagar na superfície da Terra do que na estratosfera. Isso mesmo, quanto mais longe da Terra mais rápido o tempo passa, o que significa que uma pessoa que trabalha no 10º andar envelhece mais rápido que o porteiro no térreo. E a gravidade? O ponto é que as partículas seguem a mesma lei que minha ex-namorada impunha no sexo: você sempre deve escolher o caminho que demore mais tempo! E as trajetórias que aumentam o tempo de duração entre dois eventos inevitavelmente levam as coisas na direção dos corpos massivos, onde o tempo passa mais devagar. E é por isso que a maçã cai da árvore, e os planetas orbitam o Sol. Entendeu?
Então perceba que a gravidade não é uma força como as outras, não tem força nenhuma na verdade, tudo que acontece é que quanto mais massivos os corpos mais devagar passa o tempo perto deles, além de mudar também a distância entre os pontos no espaço. Essa diferença de distâncias e durações é o que as pessoas gostam de chamar de curvatura do espaço-tempo. Bonito né? A gente só chama de força porque nossos sentidos não são adaptados para essa situação, da mesma forma que não tem nenhuma força centrífuga te empurrando contra a porta do carro durante a curva, é só o efeito de estar dentro do carro que engana os seus sentidos.
E os buracos negros? Comece com uma estrela ordinária (sem trocadilhos) algumas vezes maior que o nosso Sol. A sua superfície quer se aproximar do centro, onde o tempo passa mais devagar. Mas a pressão resultante da fusão nuclear que acontece dentro da estrela empurra as coisas para fora mantendo a estrela estável. Mas um dia acaba o combustível nuclear, e aí a coisa fica interessante. Sem a pressão da fusão a estrela vai se contraindo, compactando a massa em uma região cada vez menor. Essa massa compacta vai deformando cada vez mais o espaço-tempo até que se forma uma superfície onde o tempo para (toma essa Cazuza). Essa superfície é chamada de Horizonte de Eventos. Mas o mais legal é o que acontece dentro dela. Do lado de dentro, o Buraco Negro, a estrutura do espaço-tempo agora é muito diferente.
O tempo segue na direção do futuro certo? O que significa que o futuro dentro do buraco negro é muito diferente. Pense assim, normalmente nós temos um futuro com várias possibilidades, podemos decidir ir trabalhar num banco ou treinar futebol e virar jogador (ou não treinar se você quiser jogar no Palmeiras). Isso é o lado de fora. Dentro do buraco negro o seu futuro está decidido, a saber o seu futuro será sempre dentro do horizonte de eventos. É como se uma vez dentro do banco eles cortassem a sua perna e assim decidissem pra você seu futuro. É por isso que nada sai de um buraco negro, porque dentro dele todos os futuros possíveis estão dentro dele, você pode ir na direção do centro dele, ou na direção contrária, que leva para o centro também!
Percebeu porque não tem nada a ver falar em força gravitacional e em velocidade de escape? Pode até ser que perto de um buraco negro a força gravitacional que alguém sinta seja pequena, mas dentro dele o espaço-tempo está tão curvado de um jeito engraçado que todos os caminhos ficam sempre dentro dele. Uma cartomante poderia te dizer que você uma vez lá dentro com certeza terá um futuro lá dentro e eu teria que concordar, é assim que a relatividade geral funciona, ela pode alterar a estrutura do espaço e do tempo de formas radicais.
Então se alguém um dia disser que um buraco negro é uma coisa que pra escapar você teria que andar mais rápido que a luz não preste atenção. É como dizer que o Fluminense um dia vai pagar a série B. A frase pode até estar sintaticamente correta, mas não tem nenhum sentido, nenhuma semântica.
Excelente abordagem do tema Cesar, quem dera todos os estudioso, cientistas e professores pudessem transformar assuntos complexos em um texto tão eficiente quanto esse.
Muito obrigado Caril, estamos sempre nos esforçando para mostrar que a física é menos complicada e mais interessante do que as pessoas esperam, sem sacrificar a seriedade. E claro que se alguma coisa não ficou clara estamos aqui para explicar melhor.
Belo texto Cesar, não sou estudante de física mas tenho muito interesse nesses assuntos.
Estou lendo o livro do Stephen Hawking e ele comenta que os buracos negros emitem radiação e por isso perdem massa, o que levaria um dia a gravidade não ser mais capaz de conter as partículas dentro dele e acabaria “explodindo” expelindo todas as partículas.
Se é a curvatura do espaço-tempo que leva sempre as partículas para o centro como ele pode então emitir radiação e perder massa?
Ou eu que interpretei de maneira errada o texto do livro(A teoria de tudo)?
Eriky,
você está absolutamente correto, interpetou acertadamente o que o Hawking comentou. Pode ficar um pouco grande, mas merece a explicação. Tudo que eu escrevi leva em consideração a relatividade geral clássica, sem levar em consideração a mecânica quântica. Uma vez que você coloca essa na jogada a situação muda. Mas duas coisas diferentes acontecem: primeiro com relação à emissão de radiação, a radiação Hawking. Esta não vem de dentro do buraco negro, e sim quando ocorre o colapso gravitacional e forma-se um buraco negro o vácuo quântico FORA do buraco negro sofre uma alteração e partículas são espontaneamente geradas perto do horizonte de eventos, e estas são emitidas para longe formando a radiação. Mas perceba que é porque a gravidade muda o vácuo, essas partículas da radiação são formadas fora do buraco negro e de modo algum escapam de dentro dele. O que está dentro não sai de modo algum, quantica ou não quanticamente. O segundo ponto é a afirmação do Hawking de que conforme eles emitem radiação eles perdem massa e vão diminuindo de tamanho até que eles acabariam “explodindo” e vomitando o que tava lá dentro. Essa última parte, do destino final dos buracos negros conforme eles vão evaporando por emissão de radiação, não é uma coisa bem estabelecida. Uma hipótese seria essa do Hawking de que eles “explodiriam” e assim deixariam de ser um buraco negro. Uma outra possível é que uma hora ao chegar num tamanho crítico eles parem de emitir radiação e formem um buraco negro pequeno que assim permaneceria. E nada sairia de dentro dele. Qualquer uma das opções depende de termos uma teoria quântica para a gravidade, o que não temos hoje, portanto são apenas hipóteses atualmente. Se alguma coisa não ficou clara é só perguntar.
César, parabéns pelo texto! Tá muito legal! Você me ensinou sobre a gravidade, agora vou retribuir. Não acentue essas palavras: idéinha, sintáticamente. Idéinha eu nem sei dizer se existe, sintaticamente não é acentuada já que a última sílaba que leva acento na nossa língua é a antepenúltima. Valeu! Um abraço.
Waldir, obrigado por me chamar atenção do sintaticamente, realmente não pode ser acentuada. Idéinha suponho não existir uma grafia formal, mas como eu me recuso a aderir a reforma ortográfica eu mantenho a grafia idéia com acento, e por extensão idéinha. Mas por favor sempre que encontrar erros, quaisquer que sejam, não deixe de comentar.
Interessante texto, mas me veio um certa dúvida, porque não se consegue enxergar um buraco negro? Com essa passagem:”mas dentro dele o espaço-tempo está tão curvado de um jeito engraçado que todos os caminhos ficam sempre dentro dele.” Você quis dizer que não pela “força gravitacional”(que realmente não existe) mas pela curvatura espaço-temporal a luz não consegue sair do buraco negro ou estou errado? Se não for pedir demais queria que você comentasse um pouco sobre os chamados “buracos brancos”. Bom texto, parabéns.
Aelson,
A passagem quer dizer exatamente o que você entendeu. Dentro do buraco negro o espaço-tempo é curvado de tal modo que mesmo os raios de luz estão presos dentro dele, e assim não podem escapar. O motivo pelo qual não podemos enxergar um buraco negro é porque enxergar alguma coisa significa que a luz é emitida de alguma fonte e é refletida por um objeto até nossos olhos. Mas a luz emitida em um buraco negro é 100% absorvida e não pode mais sair de lá, portanto não tem como um raio de luz ser refletido pro um buraco negro na direção dos nosso olhos e assim não os vemos. Buracos Brancos são soluções possíveis das equações de Einstein da relatividade geral que funcionam ao contrário de um buraco negro, isto é são uma região do espaçio-tempo onde nada pode entrar, apenas sair. No entanto não se conhece nenhuma situação física na qual isso possa acontecer naturalmente na natureza, e portanto parecem ser soluções possíveis que não são realizadas de verdade. Nesse sentido são apenas um objeto matemático. Porém algumas pessoas tem pensado em formas em que eles fizessem sentido, como hipoteticamente você poderia ligar um buraco negro a um branco e isso constitui um dos exemplos básicos de “buracos de minhoca”, uma região onde algo é engolido em uma parte e cuspido em outra. Vou pensar em um jeito de falar mais sobre isso em um futuro post.
Abraço.
Valeu Cesar, obrigado pelos esclarecimentos. Mais uma vez, parabéns pelo texto, muito bom. Abraço.
Cesar, quando você disse no texto que “quanto mais próximo da terra(por exemplo) mas devagar o tempo passa”, eu imediatamente lembrei de livro que li há algum tempo, que dizia que:” Para corpos com velocidades diferentes o tempo não é o mesmo para os mesmos, para o corpo em movimento o tempo tende a passar mais depressa do que para o corpo que ficou em “repouso”.” Minha questão é a velocidade de um corpo influência realmente no tempo para este, ou é devido a (como você disse) distância do corpo massivo?
Corrigindo “…devido a APENAS a distância do corpo massivo?”
Aelson,
o efeito a qual você se refere, a dependência da duração do tempo com a velocidade, existe e é uma questão de relatividade restrita. Para ser mais claro suponha que eu pegue dois relógios que começam juntos e então eu pego um deles e faço ele se mover para longe e depois retornar ao encontro do que ficou parado. O rel[ogio que se moveu marca uma duração de tempo menor que o relógio que ficou parado, assim do ponto de vista do relógio se movendo o tempo parece ter passado mais devagar que o do relógio parado. O efeito que eu falei no post tem a ver com a descrição da gravidade em relatividade geral. Ambos os efeitos existem, e é a junção dos dois que permite mostrar exatamente como na presença de um corpo massivo os objetos tendem a se mover em direção a ele.
Entendo, mas o tempo passa mais rápido para o corpo que se move? Remeteu-me ao paradoxo dos gêmeos onde aquele que se move tem o seu tempo bem como espaço contraídos, fazendo com que o tempo para ambos seja marcado de forma diferente, o que esteve “parado” marca um tempo maior do que o que se movia. Estou confundindo as coisas?
O paradoxo dos gêmeos foi exatamente o que eu descrevi. Essa terminologia de o tempo passar mais rápido ou mais devagar pode ser um pouco confusa. Eu deveria ter explicado de modo mais claro, desculpe. O que eu quero dizer é que aquele que se move estará mais novo que aquele que permanece parado nessa situação. Reescrevi a explicação anterior para ver se com uma mudança de palavras fica mais claro. Se achar que ainda não ficou claro então eu faço um post onde posso colocar tudo de forma mais organizada sobre isso
Não será necessário, minha compreensão destes assuntos já esta bem melhor agora, mais uma vez valeu mesmo pelos esclarecimentos, parabéns pelo trabalho Cesar e desculpe se importunei demais rs.
Muito show o site e ainda mais esse artigo! Estou muito admirado como um assunto aparentemente intragável por leigos fica dessa forma com a sua explicação. Parabéns.
Ah, e a propósito, gostei da cutucada no Florminense… No tapetão fica realmente muuuuito fácil, né? Abraço.
Dr. Mike Goldsmith tupiniquim. Parabéns, excelente exposição. Recentemente, criei um blog para discutir temas acadêmicos do curso de Física. Caso haja interesse: http://jefsrodrigues.blogspot.com.br/
Abraço!
Nossa perfeita sua explicação e de facil COMPREENSÃO.
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Prof: Parabéns! Até onde consegui acompanhar, gostei!
Agora, como leiga me permito divagações: Qual a ‘função’ dos buracos negos. Alguma hipótese já formulada? (ou são meros ‘predadores’ da luz?)
Grata
Desculpe se não pôde acompanhar até o fim, se quiser me perguntar da parte que não entendeu fico feliz em tentar ajudar. Com relação a “função” dos buracos negros não sei se entendi o que você quer saber. Do ponto de vista astrofísico eles são o final inevitável da evolução de estrelas muito massivas. Tipícamente espera-se que eles sejam responsáveis por alguns fenômenos como binárias que emitem raios-X e núcleos ativos de galáxias. Cheguei perto da sua pergunta?
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Gostei muito da explicação, mas fiquei com uma dúvida. Como, segundo o que foi explicado, se entende agora a ejeção de matéria por parte de buracos negros?
Daniel,
suponho que por ejeção de matéria por parte dos buracos negros você esteja se referindo a coisas como Núcleos Ativos de Galáxias. Nesse caso uma estrela chega perto de um buraco negro ele começa a sugar a matéria dela, que se acelera muito conforme se dirige ao buraco negro. Durante essa aceleração intensa a fricção entre as partículas do material estelar geram um calor intenso que pro sua vez emite muita radiação. Dá uma google em imagens de Active Galactic Nuclei que vai ficar claro. Esse processo em particular não tem muito a ver com a descrição relativista do buraco negro, e só com o fato de ele ser um corpo muito compacto com um campo gravitacional forte. Pode ser entendido do ponto de vista newtoniano mesmo. Era isso que queria saber?
Quer dizer então que a matéria atraída, devido a calor, fricção, radiação, pode ser ejetada porque ainda está no disco de acresção do buraco negro (não chegou ao horizonte de eventos)?
Mas porque os registros de ejeção de matéria/radiação de buracos negros ocorrem no plano perpendicular ao do disco de acresção?
Correto com relação a primeira parte. A radiação é emitida do disco e não pelo buraco negro. Isso responde pela emissão de radiação em geral. Agora tem a questão dos jatos que são emitidos ortogonalmente ao disco. Olha, não sou de longe especialista em astrofísica, mas se minha memória não me engana então o mecanismo de produção dos jatos é desconhecido. Mesmo. Tipo, uma das grandes questões em aberto da astrofísica. Durante um tempo acho que a explicação mais aceita tinha a ver com campos magnéticos induzindo a matéria ionizada a se mover apenas nessas direções, mas acho que não explica satisfatoriamente as observações. O que é um bom exemplo de coisas interessantes que até hoje não tem explicação, pra quem acha que a física tá perto do fim.
Legal pela iniciativa, porém, que bom seria se os problemas descritos pudessem ser explicados sempre dessa maneira, tão simples assim!
Meu caro, como já disse, legal mesmo, mas vamos prestar mais a atenção, pois dessa forma sempre pecamos, e fazemos da Física algo banal, o que não é, e não queremos torná-la.
Para descrevermos um sistema tão complexo de maneira sucinta, deve-se direcionar o leitor final, pois, do jeito que fez, pecas, e esquece diversos itens e finaliza um pensamento ainda em aberto. Não podemos também dizer que uma teoria realiza qualquer ação na natureza, essas são apenas para proporcionar o melhor entendimento.
Alexandre,
Confesso que não entendi exatamente a sua crítica. Você se refere a fazer da física algo banal, estaria se referindo a minha escolha de analogias? Não é a intenção banalizar nada, eu só tento descrever as coisas do modo como eu as entendo. Para mim banalizar é quando as pessoas dão uma acoxambrada na explicação por julgar que o leitor não tem capacidade de compreender de verdade. Eu só estou tentando explicar as coisas o mais próximo possível do modo como está em artigo. Só não faço questão da linguagem formal.
Com relação a direcionar o leitor (final?) e ter finalizado um pensamento em aberto me scapa o que quis dizer. O texto é sobre porque um buraco negro não é algo com velocidade de escape maior que a da luz. Suponho ter explicado que o buraco negro tem a ver com o espçao-tempo e nada a ver com velocidade. O que ficou em aberto? Isso é importante, outros leitores podem ter ficado com a mesma impressão.
Acho que seu último comentário tem um tom um pouco filosófico, mas a despeito disso não consegui identificar a qual passagem do texto você se refere.
obrigado pela disposição de escrever.
Gostei muito do artigo, parabéns !! Tenho uma dúvida: como o tempo pode parar ?? e no caso, acho que tempo e espaço estão atrelados, então, o que provavelmente acontece com o espaço se o tempo para ?
André,
sua dúvida é muito razoável. Quando eu digo que o tempo para não quero dizer que ele chega a um fim. O que quero dizer é que suponha que eu jogue um relógio no buraco negro e que este por algum momento fique preso no horizonte de eventos. Agora eu vou jogar uma pessoa dentro do buraco negro de modo que ela quando passar pelo horizonte de eventos olhe o horário marcado, digamos que seja 12:34. Agora eu espero um ano e me jogo no buraco negro de modo a olhar também o relógio. Quando eu encontrar a pessoa do outro lado do horizonte de eventos vamos descobrir que ambos olharam o relógio marcar 12:34, embora eu tenha passado pelo horizonte um ano depois do meu ponto de vista. O motivo é que a superfície do buraco negro é uma região aonde o tempo não passa. Assim o relógio “anda” pra frente no tempo do ponto de vista de quem está fora do buraco negro mas o relógio em si não registra a passagem do tempo. Então essa questão não é sobre a natureza da extensão do tempo e espaço, e sim de como medimos o tempo.
Prof.,
Bela explicação! Eu entendi!
Grata, Norma
ah sim, mas no caso, a pessoa que ja está no buraco negro veria as horas passarem ou não? se não, ela estaria “parada mesmo” e sei lá, viveria ? haha confuso isso !
André,
o tempo fica parado somente no horizonte de eventos, dentro do buraco negro o tempo passa normalmente. Então as pessoas que atravessam o horizonte depois podem se comunicar sem problemas.
Vamos imaginar então que o Horizonte de Eventos o tempo fica parado. Dentro e fora o tempo passa normalmente. Se eu me desloco fora do Horizonte de eventos isso significa que gasto uma quantidade finita de tempo para me deslocar um infinitesimal de espaço. Porém, uma vez que chegue-se ao Horizonte de eventos o tempo para de fluir, o que é um problema pois a ausência de fluxo de tempo implica em uma coisa que a natureza não gosta muito, que é a divisão por zero. Se o tempo não flui, ele é uma constante e derivadas de constante são zero. Assim, no Horizonte de Eventos ou estaríamos fadados a lá ficar aprisionados uma vez que chegamos lá ou então que poderíamos estar em todos os pontos do horizonte de eventos ao mesmo tempo. Assim, parece não fazer muito sentido dizer que algo ultrapassaria o horizonte de eventos.
É isso mesmo?
Daniel,
Mais ou menos. Se o tempo passa normalmente então você gasta uma quantidade finita de tempo para se descolar um espaço finito, não infinitesimal. No caso do horizonte, atravessá-lo não é um problema porque você atravessa uma superfície só, e não teria problemas. O tempo é parado do ponto de vista de quem se desloca um espaço finito em cima do horizonte. Se isso lhe parece estranho, é a mesma situação que um raio de luz. Um fóton como anda na velocidade da luz “vê o tempo parado” o que é um jeito de dizer que não existe o referencial da luz. Mas você pode atravessar um cone de luz. Infelizmente isso é melhor ilustrado com uma figura. Vou ver se em breve tento explicar melhor essa questão, mas se tem alguma outra pergunta por favor faça e tento explicar melhor o que ainda não ficou claro.
Quando eu falei infinitesimal estava me referindo ao fato de falarmos de elementos de derivada, dS/dt. Mas sim, é uma quantidade finita.
O que não consigo compreender é a definição do horizonte de eventos (H.E.) neste caso. Para mim o H.E. é como a crosta terrestre, uma superfície que limita aquilo que está dentro do corpo e o que está fora do corpo. O que entendi da sua explicação foi que a definição aplicada de H. E. é uma superfície matemática que define fronteiras, sem uma materialização física, como a crosta ou a superfície de uma estrela. Como o Buraco Negro foi uma estrela, o que era a superfície se tornou H.E. ao se tornar buraco negro, não?
Se for isso, faz sentido dizer que algo perfuraria o H.E. e entraria no interior do Buraco Negro, apesar de não se conseguir imaginar o que poderia haver lá dentro. Mas, se no H.E. o tempo não passa, então seria possível se deslocar do H.E. para o interior? Se a luz percebe o tempo parado por conta de sua velocidade, isso também só é possível porque sua massa de repouso é 0, não? No caso de uma matéria que chega ao horizonte de eventos, acelerada, ela nunca chegaria a velocidade do fóton e colidiria com o H.E. se agregando a esse. Ao se agregar ao H.E. ele aumenta a área do Buraco Negro pois não poderia haver relevo no H.E, em função do tempo ali estar congelado e de que aumentar a espessura do H.E. implicaria em dizer que uma esfera concêntrica ao H.E. e de diâmetro maior que o diâmetro do H.E, cortaria regiões do espaço formadas pelo H.E. e outras que não tem o H.E. e numa mesma superfície haveria tempo parado e tempo fluindo… Parece estranho.
Foi mal a elocubração mental. É que estou tentando entender a sua explicação. Que me respondeu algumas coisas e me trouxe outras dúvidas.
De fato você pode pensar no horizonte como a crosta da terra ou como a superfície de uma estrela, só que infinitesimalmente fina. Assim atravessá-la não é um problema porque é só passar por um ponto do horizonte. Agora se você estiver de alguma forma preso a ele então não pode nem entrar nem sair, mesmo porque teria de ter massa nula para ficar em cima do horizonte. Por isso é difícil pensar em algo com massa, porque esse com certeza não pode ficar no horizonte, tem de atravessá-lo. E a estória do relógio tem ser entendida com muita cautela.
Espero que agora tenha ficado claro
Primeiramente gostaria de parabeniza-lo pelo exelente artigo; mas tenho que assumir que enquanto muita coisa foi exclarecida surgiram algumas duvidas, vi alguns cientistas renomados como Lisa Randall questionando o porque da gravidade ser tão fraca comparando com as outras forças ( Força Nuclear Forte, Força Nuclear Fraca e Eletromagnetismo) e oferecendo como resposta que ela poderia estar se “espalhando” por universos paralelos e isso seria o suposto motivo dela ser tão fraca aqui mas agora isso já não faz muito sentido pois realmente ver a gravidade como uma força já não é tão correto.
Por favor corrija-me se não entendi algum ponto ou me desculpe se não entendi algo.
Paulo Cesar.
Paulo, obrigado pelo elogio.
Fico feliz de ter passado a mensagem que a gravidade não é uma força como as outras e isso é um dos motivos pelo qual é perigoso fazer essa comparação entre a força das interações. Com relaçã a Lisa Randall, ela é certamente muito competente, mas o modelo dela, O Randall-Sundrum, assim como modelos parecidos, como DGP, tentam tratar a gravitação como uma força qualquer mas tem sempre previsões contrárias às observações do mundo de verdade. Esses modelos surgiram no final da década de 90 para lidar com o problema da hierarquia da física de partículas, mas em geral se mostram incorretos ou por motivos óbvios ou por motivos bem obscuros. A impressão que eu tenho é que hoje as pessoas estão começando a desistir de idéias desse tipo. Então em resumo é que durante os últimos dez anos existiu uma esperança de tratar a gravidade do modo como você descreveu mas que não deu em nada. A minha opinião pessoal é porque de fato gravidade não é igual outras interações. Isso esclarece?
abraços,
Cesar
Esclarece sim, realmente fico grato pela atenção; o modelo da Lisa parecia bem interessante mas o que realmente interessa é corresponder a realidade,
obrigado Cesar,
abraço
Paulo Cesar.
Achei o texto bastante interessante. Porém uma dúvida surgiu sobre o exemplo dado no início do texto, no qual é afirmado que o sentido das coisas tem por objetivo ir ao encontro dos corpos massivos (segundo os argumentos do próprio, graças ao tempo passar mais devagar a quem está mais próximo da Terra). Sabemos que o tempo também passa mais devagar dependendo da velocidade da partícula. Logo, podemos dizer que partículas pertencentes a uma órbita concêntrica estão submetidos a mesma velocidade angular, porém, suas velocidades lineares não são iguais, e sabemos que quanto maior o raio, maior será sua velocidade. Eis que há uma divergência entre as duas teorias: “…o que significa que uma pessoa que trabalha no 10° andar envelhece mais rápido que o porteiro no térreo.”, podemos aplicar a situação como velocidades angulares, na qual a pessoa no 10° andar está (mesmo sem perceber) vivendo a uma velocidade maior que o porteiro, o que faz com que o tempo passe mais devagar pra ela e não mais rápido. Gostaria que se fosse possível (e a paciência permitir), você explicasse um pouco da razão da velocidade-tempo e por quê houve essa contradição (ou eu divaguei muito).
Abraço, admiro bastante o blog.
Correção: “…podemos aplicar a situação como velocidades LINEARES, na qual a pessoa no 10° andar está (mesmo sem perceber) vivendo a uma velocidade maior que o porteiro” ***
A. E. Jr.,
Você está correto até a parte da divergência. Vamos por partes. A priori o que eu disse no texto sobre o efeito da gravidade no tempo e as pessoas no térreo e no 10º andar se aplicam supondo que nada gira, que o único efeito é o da atração gravitacional. De fato no caso realista existe o movimento relativo entre ambos da rotação da Terra que terá justamente o efeito que você citou, do tempo passar mais devagar para a pessoa no 10º andar. No caso da Terra as velocidades são muito menores que o efeito gravitacional e portanto podemos desconsiderar isso.
Mas em uma situação genérica devemos contemplar que a dilatação do tempo devido a velocidade e do campo gravitacional competem. Por exemplo imagine a situação de um canhão que atire um projétil em um dado ângulo. A física do colegial nos diz que o movimento do projétil é uma parábola. Como explicar isso do ponto de vista relativístico? O projétil quer minimizar o tempo que demora até atingir o alvo. Como o tempo passa mais devagar na superfície, ele em princípio quer seguir uma trajetória retilínea junto ao solo. Porém se ele fizer uma trajetória muito oblíqua ele terá uma velocidade muito maior e a dilatação do tempo implica que o tempo para ele passará mais devagar. Então o efeito da gravidade faz com que ele queira ficar próximo do solo, e o da velocidade quer que ele se afaste o máximo possível para que com maior aceleração ele tenha mais velocidade e a dilatação entre em jogo. Portanto a trajetória real na relatividade geral é aquela que equilibra ficar próximo do solo para aproveitar a gravidade e ficar longe do solo para aproveitar a aceleração e velocidade que vem dela. E a trajetória que equilibra melhor esses dois efeitos é a parábola. (Se quiser mais detalhes dessa discussão pode encontrar no livro do Feynman Lectures vol 2 que tem tradução para o português, embora não saiba se você teria acesso)
O resumo é que você está correto, o texto está correto, e não há nenhuma divergência. Eu discuti uma possibilidade simples em que não levo em que o observador está estático em relação ao corpo massivo. Se isso não for verdade então o problema é um pouco mais complicado, pois devemos equilibrar o efeito da proximidade com a massa e a velocidade desenvolvida. O exemplo do projétil realizando uma parábola mostra que ambos os efeitos são importantes para descrever o mundo real.
Se não ficou claro é só me perguntar. Obrigado pela atenção,
Cesar
Bom, obrigado pela atenção e a paciência na explicação.
Sobre as divergências, agora consigo visualizar que não há erro no que eu falei, como também não há no que foi passado, é tão clichê quanto dizer que o universo é extraordinário – e sim, realmente é! O que talvez seja complicado de enxergar é que a gravidade não é bem o que aprendemos. Tendemos a vê-la de acordo como a mecânica clássica nos permite. Devo dizer que física relativística é uma área fascinante, e seguirei a sugestão do livro.
Abraço, parabéns pelo blog!
Boa noite, Cesar!
Estou fazendo um trabalho e meu assunto é sobre o que se muda na mecânica clássica para descrever os buracos negros. Até agora estou confusa com todos os textos que li, uma vez que uns dizem que relatividade geral não faz parte da mecânica clássica, enquanto outros dizem que faz. Dessa forma, não sei que tipo de matemática uso. Qual das duas afirmações está correta? Saberias me dizer, também, onde a mecânica clássica falha, quando tratamos dos BN’s? Se puderes me recomendar alguma leitura sobre este assunto, estaria muito grata!
Abraço!
Laura Amaral
Olá Laura,
Essa questão sobre a relação da mecânica clássica é complicada porque algums pessoas definem como parte da mecânica clássica tudo aquilo que não é quântico (e nesse caso os buracos negros são clássicos), mas outras pessoas definem como mecânica clássica aquilo que não é quântico e nem relativístico (e desse ponto de vista o buraco negro não faz parte da mecânica clássica). Em princípio os buracos negros são objetos completamente descritos pela Relatividade Geral, desse ponto de vista os ingredientes diferentes da mecânica clássica newtoniana são a existência de uma velocidade limite, a velocidade da luz, e a descrição da gravitação como devidada a curvatura do espaço-tempo.
Então se você adotar como definição de mecânica clássica aquela feita por Newton a falha dela na descrição dos buracos negros ocorre que se a velocidade da luz é finita e não é possível ultrapassa-la então é possível que um objeto deforme o espaço-tempo de modo que algo no seu interior tenha que se mover mais rápido que a luz para sair, desse modo prendendo tudo dentro dele.
Com relação a matemática eu poderia dar algumas sugestões se soubesse o que você já sabe. Por exemplo se está fazendo graduação, se já teve contato com relatividade restrita, etc.
Sem saber isso recomendaria livros mais simples, como o “Black Holes and Time Warps” do Kip Thorne, que é um livro de divulgação bem simples e bem explicado, ou o “General Relativity from A to B” do Robert Geroch, esse um pouco mais complicado.
De qualquer modo fico a disposição para ajudar com o que precisar.
Abraços,
Cesar
Agora entendi a diferença! 🙂
Poderias me dar alguma sugestão do que eu poderia descrever em aula? Eu gostaria de demonstrar como chego na massa de um buraco negro pela semiclássica e mostrar o que eu troco na gravitação da clássica, quando vou para a relatividade geral.
Muito obrigado pela ajuda! 😀
Laura,
talvez o que você queira é algo como começar com a idéia original do Michell e do Laplace de igualar a energia cinética de uma partícula se movendo na velocidade da luz com a energia potencial gravitacional, 1/2mc^2=GMm/R^2, e daí da para tirar que se um corpo tem uma massa M em um raio menor ou igual a R^2=2GM/c^2 então a velocidade de escape é maior que a velocidade da luz. Isso foi feito no século XVIII e a idéia é puramente newtoniana. Surpreendentemente esse é o raio correto que se encontra na Relatividade Geral para os buracos negros, o chamado raio de Schwarzschild. Só que em mecânica newtoniana isso não significa um buraco negro porque você pode acelerar para vencer a gravidade por exemplo. A descrição relativística é mais ou menos a que eu esbocei no post, para uma aula a idéia talvez fosse discutir o que acontecem com os cones de luz. Essa página que encontrei faz a discussão mais simples e breve que conheço http://www.phy.syr.edu/courses/modules/LIGHTCONE/schwarzschild.html (precisa saber um pouco de relatividade restrita acredito). Veja se consegue entender usando o meu texto de guia.
Abraços,
Cesar
Cesar,
Muito obrigado pela tua ajuda! Ela foi de grande valia para a apresentação do meu trabalho! Embora eu ainda não entenda muita coisa sobre o assunto, o que me explicastes sanou as dúvidas que eu tinha! Vou ler mais sobre essa área, pois acho que farei meu tcc nela… ^^
Novamente, muito obrigado pela tua atenção! Grande abraço!
Laura
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