Preconceitos em todos os lugares… menos por aqui

Algumas semanas atrás o Cosmic Variance fez um post discutindo um artigo recente que explora o preconceito de gênero e étnico dentro da ciência. Basicamente os caras se passavam por supostos alunos e mandavam emails para os professores pedindo uma reunião para discutir a possibilidade de fazerem doutorado sob a orientação dos últimos. Em cada email eles colocavam um nome masculino ou feminino e caucasiano, indiano, hispânico, negro ou chinês. Então eles avaliavam como eram as respostas dos professores.

Se quiser a versão detalhada pode ir no link acima, mas em resumo os professores eram mais solícitos se você fosse um homem caucasiano, e se fosse mulher ou pertencente a uma minoria (tenho problemas em como encaixar chineses em minorias mas ok) então era muito mais provável que o professor não te respondesse ou demorasse mais tempo para responder. Se você não sofreu um derrame mental recentemente deve perceber que isso é cheio de furos. Por exemplo, caucasiano é uma coisa muito ampla do ponto de vista antropológico. Iranianaos e egípcios são caucasianos. Então Gheorge Hagi e Emre Belozoglu são nomes tão caucasianos quanto Jürgen Klinsmann (e você deveria conhecer essas três pessoas). E não sei você, mas eu tenho um pouco de dificuldade em ver um nome chinês e saber se é masculino ou feminino, tipo Chien-Shiung Wu (que você deveria conhecer também se for físico).

Mas ignore isso por enquanto, porque tem uma outra coisa no artigo interessante. E essa é interessante porque se você correr atrás das referências deles vai ver que é um resultado que aparece independentemente do método utilizado. Você pode se perguntar se esse preconceito contra mulheres e minorias étnicas é igual em todos as áreas da academia ou se em alguns grupos é mais forte. Então eles tem um gráfico bacana, onde não muito surpreendentemente as Artes, Humanidades e Ciências Sociais apresentaram a menor diferença entre as categorias de estudo. O importante notar é que a física, matemática e outras ciências exatas aparecem logo depois no ranking dos menos enviesados. Os professores dessa área aparentaram diferenciar muito menos essas questões do que na biologia, engenharias, medicina, economia e direito. Curioso não?

Na verdade não. Embora eu já tenha presenciado dois eventos envolvendo físicos que podem ser encarados como preconceituosos em relação a mulheres, devo dizer que aparentemente os físicos não tem esse tipo de preocupação. O que faz sentido, afinal se você assiste sitcoms sabe que os físicos são, vamos dizer, excêntricos. Uma consequência disso é que em geral não temos muitos dos valores do resto da sociedade. É claro que eu aprecio coisas como a cerveja, o tabaco e o futebol (coisa que tem um valor por si mesmas). Mas é notório para quem faz física que nós não herdamos muitas das coisas que todo mundo acha importante. Em particular não faz sentido achar que mulheres ou minorias não são igualmente capazes intelectualmente (se você lembra de um estudo que prova que o cérebro feminino não tem a mesma capacidade matemática do masculino: eu ignoro estudos feitos com ratos andando em labirintos e não com pessoas, ou aqueles feitos por pessoas que não entendem estatística básica).

Ainda assim é flagrante que nos cursos de física as mulheres são uma minoria esmagadora. E a diferença só aumenta da graduação para a pós-graduação. Duas cartas ao editor do American Journal of Physics são particularmente interessantes nesse aspecto. A primeira, do matemático Ralph Boas (que tem um livro sobre demonstrações usando leões e savanas), comenta o fato de que em geral os amigos e a família de mulheres que pretendem fazer física (e matemática até certo ponto) fortemente as desencorajam. A segunda é da física Katharine Reid e cita a experiência própria durante a graduação de acreditar que os homens eram muito mais inteligentes que ela meramente porque eles não admitiam abertamente quando não entendiam um dado assunto.

Em resumo, acho importante deixar claro que, a despeito de que toda pesquisa encontra pouca evidência de que os físicos são largamente preconceituosos, a representação das mulheres nessa área permanece muito pequena. E dois fatores importantes para isso são que os pais e amigos acreditam que elas deveriam fazer cursos onde serão julgadas pelo tamanho dos peitos ou então que elas não acreditam no próprio potencial porque os homens se recusam a deixar claro que também não compreendem algo.