A Origem da Cosmologia Moderna: O Big Bang

Essa é a parte 2 da série sobre cosmologia, onde vamos entender o que é o modelo do Big Bang. Na parte 1 vimos que, mesmo não sabendo nada de relatividade, podemos ver que o universo não pode ser infinito e estático ao mesmo tempo, devido ao paradoxo de Olber. A solução é que ele seja finito temporalmente (e portanto teve um início) ou então que ele evolua ao longo do tempo, não permanecendo o mesmo. Ou ambos!

Tudo começa na década de 1920, com Edwin Hubble. Usando a luz emitida por objetos no universo ele mediu a distância de várias galáxias e determinou que essas estavam fora da Via Láctea, e que portanto o universo era muito maior do que se imaginava. Mais que isso, ele mediu também o espectro da luz emitida. Cada elemento da tabela periódica emite um espectro de luz muito específico (emite diferentes cores de luz, incluindo entre as “cores” coisas como raios-X, ultravioleta e infravermelho), então apenas observando este podemos saber do que é composto o objeto que emite luz. Ele observou que o espectro das galáxias era muito parecido com o do hidrogênio, exceto por um detalhe: todas as cores estavam um pouco mais avermelhadas do que aquelas medidas em laboratório.

Cada “cor” corresponde a uma frequência de onda da radiação eletromagnética, o vermelho sendo uma cor de frequência menor, e o azul maior (daí as expressões infravermelho e ultravioleta, os qualificativos se referem a frequência de oscilação). Fazendo um paralelo com outra onda, no caso do som uma frequência menor é mais grave e uma frequência maior é mais aguda. Nesse caso como fazer um som ficar mais grave? Um exemplo clássico é a ambulância que passa por você e vai embora. Conforme ela se afasta o som da sirene fica cada vez mais grave. Já pegou a idéia? O Hubble percebeu que uma explicação para a luz ficar mais vermelha, isto é, com menor frequência, seria assumir que as galáxias estão se afastando de nós. Todas elas. Em todas as direções que você olhar. Quanto mais avermelhada fica a luz, mais rápido ela se afasta. E o Hubble para coroar mostrou que quanto mais longe, mais rápido as galáxias se afastam de nós. Por isso que as pessoas fazem satélites com o nome dele.

redshift

De baixo para cima: o espectro de luz de galáxias cada vez mais distantes. Note que o padrão é praticamente o mesmo, apenas com as linhas escuras se deslocando para a direita (na direção do vermelho)

Na mesma época um monte de gente começou a estudar as equações do Einstein para a relatividade geral, e encontraram soluções que descrevem universos evoluindo. Hoje chamamos a solução geral de Friedmann-Lemaítre-Robertson-Walker (FLRW para simplificar) em homenagem aos 4 que a descobriu. A base dessas soluções é o chamado princípio cosmológico (também chamado princípio copernicano ou, o meu favorito, princípio da mediocridade). A idéia por trás é que nós não somos nada especiais no universo. Então se quando olhamos para as estrelas e galáxias distantes o universo parece razoavelmente igual, é porque ele é assim em todos os lugares. A solução FLRW descreve universos que são homogêneos e isotrópicos (são iguais em todos os pontos e parecem iguais em todas as direções que você olha). Um caso particular descreve um universo em expansão contínua.E uma outra forma de fazer um som mais grave é aumentar o tamanho da região no qual ele se propaga (contraste o som do violino com o violoncelo). Assim podemos interpretar as observações do Hubble de modo ligeiramente diferente. Não são as galáxias que estão propriamente se afastando de nós, mas sim o universo que se expande continuamente. Desse modo quem estiver na galáxia de Andrômeda verá todas as galáxias se afastando também. Não existe um ponto central do qual tudo se afasta, mas sim é o próprio espaço que “estica” e entre quaisquer dois pontos vão cabendo mais metros conforme o tempo passa. Pare um pouco para pensar nisso.

A expansão resolve o problema do paradoxo de Olber. A questão se torna a seguinte: Se o universo está em expansão, então voltando para o passado ele vai se contraindo até que todos os objetos vão se encontrando, até que em algum dado ponto no passado a densidade cresce sem limites e aparece uma singularidade, um momento sem instante anterior. Uma outra opção é o universo expandir e contínuamente criar matéria nova, de forma que ele exista em um estado estacionário, sempre expandindo e introduzindo mais coisas, para sempre tanto para o futuro quanto para o passado. Essa segunda opção era chamada de universo de estado estacionário e foi proposta em 1948 partindo do princípio de que o universo deveria ser homogêneo tanto no espaço (como em FLRW) quanto no tempo. Como decidir entre essas possibilidades?

Aqui entra George Gamow e Ralph Alpher. Eles argumentaram que no cenário de FLRW conforme vamos para o passado a densidade aumenta e com isso a temperatura. Até que em um dado momento a temperatura era tão alta que tínhamos apenas um gás de prótons, elétrons e nêutrons. Supondo isso, caso a temperatura seja alta o suficiente, temos que a energia média das partículas no gás é grande o suficiente para induzir a fusão nuclear e sintetizar Hélio a partir do próton (que é o núcleo do Hidrogênio). Isso acontece até o universo expandir e esfriar tanto que não existe mais energia para fazer fusão. O que Gamow e Alpher mostraram é que com base em dados atuais podemos estimar essa temperatura e a taxa de expansão de modo a obter corretamente a distribuição de átomos de Hidrogênio e Hélio. Dado que essa fase de gás quente não existe no modelo estacionário, apenas a idéia do universo em expansão com um início explica a razão entre os elementos atuais.

O momento decisivo vem quando Gamow percebe uma consquência dessa teoria. Conforme o universo vai expandindo, ele vai esfriando até que os elétrons tem tão pouca energia que acabam se ligando aos núcleos e o universo deixa de ser uma gás ionizado e passa a ser eletricamente neutro. A diferença é que no gás ionizado a luz interage com as cargas elétricas, mas não no gás neutro. Assim, no momento que o universo se torna eletricamente neutro a radiação eletromagnética para de interagir com a matéria e se propaga livremente. Inicialmente a radiação está a uma temperatura alta também, mas ela vai esfriando junto com o universo em expansão, de modo que Gamow previu que hoje deveria existir um fundo homogêneo de radiação a uma temperatura muito baixa. Quando quase 20 anos depois Penzias e Wilson medem um fundo de radiação em uma antena com distribuição térmica de -270 ºC outras pessoas imediatamente perceberam que se tratava exatamente da luz que Gamow tinha predito, a chamada Radiação Cósmica de Fundo.

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Essa teoria que explica o afastamento das galáxias, a distribuição de elementos no universo e a existência da radiação cósmica de fundo é o chamado Modelo do Big Bang. O tal Big Bang é uma alusão a um momento no passado onde o universo era muito quente e começou a expandir. Mas o mais correto seria dizer que Big Bang é o nome da teoria, e não de um dado evento. É verdade que sabendo quanta matéria e radiação tem no universo podemos “resolver” a solução FLRW para trás no tempo e encontrar quando esse modelo chega a uma singularidade. E dá mais ou menos 13.8 bilhões de anos, o número que você ouve falar por aí como idade do universo. Bonito né? Mas lembre que sabemos que esse modelo não está inteiramente correto. Assim ele só diz alguma coisa sobre o que ocorreu a partir de uns 3 minutos depois da singularidade, e se algum momento tem de ser chamado Big Bang é esse. Antes disso, nada sabemos.

Por ora, pelo menos até eu escrever a sequência sobre a inflação. 😉