Nova partícula no LHC?

Em dezembro foram anunciados alguns resultados do Run2 do LHC. Dentre eles, um causou um grande alvoroço. Já havia rumores em certos blogs dizendo que ambos experimentos haviam observado algo que poderia ser uma nova partícula. Se você sabe das coisas e quer só um update rápido dos novos resultados vá para o final do texto na parte 2. Se você não sabe do que eu tô falando, continue daqui e ignore a parte 2. Como sempre o texto ficou maior do que deveria mas vou tentar explicar com cuidado o que foi anunciado, o que tem de importante e quais o problemas, que como sempre, a mídia ignora e faz algo sensacionalista.

UPDATE (05/08/2016): Depois de coletar e analisar mais dados, foi confirmado que NÃO se tratava de uma partícula nova mas sim de uma flutuação estatística. Veja o gráfico atualizado (sem “calombinho” em 750 GeV, #chatiada):

diphotonnew

PARTE 1

Primeiro, porque as pessoas ficaram tão empolgadas com esses rumores de uma nova partícula?

O modelo que explica as partículas elementares e suas interações (com exceção da gravidade) é conhecido como “Modelo Padrão” (MP); o sucesso desse modelo foi visto através de várias previsões teóricas que foram comprovadas experimentalmente, sendo uma delas o bóson de Higgs observado no LHC em 2013 nos experimentos ATLAS/CMS. Mesmo sendo o melhor modelo que temos no momento, sabemos que ele nos dá uma descrição incompleta da natureza. Por exemplo, o MP descreve as interações de partículas chamadas neutrinos, porém sua previsão é que essas partículas não possuem massa. Contudo, diversos experimentos envolvendo neutrinos nos mostram o contrário, eles possuem uma massa muitíssimo pequena diferente do esperado pelo MP. Para solucionar esse problema precisamos de “física além do MP”, isto é, precisamos de um modelo que seja uma extensão do MP. Eles precisam não só explicar tudo que o MP faz um bom trabalho em descrever e que vemos experimentalmente, como precisam também resolver problemas que o MP não é capaz de nos dar uma resposta.

Além disso, as extensões do modelo padrão (exemplos famoso são os modelos de Supersimetria ou modelos que descrevem o bóson de Higgs não como uma partícula elementar mas sim com uma partícula composta por outras) precisam ter uma conexão com a realidade e nos dar uma chamada fenomenologia. Isso significa que qualquer coisa diferente do MP vai gerar “sinais” que podemos testar no laboratório, sendo estes específicos de cada modelo. Hoje em dia, temos diversas extensões do modelo padrão mas só saberemos qual a direção certa que temos que seguir ao medir algo não previsto pelo MP e que seja previsto por um (ou uma classe de) modelos.

Então, imagina o quão legal seria medir algo inesperado no LHC: i) nos permitiria excluir vários modelos, ii) nos daria uma direção que devemos seguir nas pesquisas, dado que apenas algumas classes de modelos seriam compatíveis com o experimento, iii) fazendo isso podemos fazer novas previsões a serem testadas, e é possível que tenhamos mais descobertas no LHC iv) seria uma passo muito importante no avanço do nosso entendimento do universo.

Agora, se não medirmos nada novo no LHC: i) não saberíamos que direção seguir, e uma classe muito grande de teorias ainda seriam possíveis, ii) é muito mais difícil ter uma direção do que e em que energia procurar (teríamos que ter um acelerador muito maior e faltaria uma “pista” de como procurar evidências diretas de física nova).

Entendido o motivo da empolgação, o que foi anunciado? O ATLAS e o CMS mediram um “excesso” de eventos correspondentes a uma massa de 750 GeV no canal do di-fóton. Quuuuueeeeee? Eu sei, vamos por partes. O que você precisa saber sobre os experimentos do LHC e o que significa “descobrir” uma nova partícula.

Tudo é baseado em estatística. Tire a imagem da sua cabeça que, em um acelerador de partículas, duas bolinhas giram mega rápido, colidem e vemos o que acontece. A coisa é mais complicada. Primeiro porque você não faz isso com um próton de cada vez, mas com vários “pacotinhos” de prótons e, quando esses pacotinhos colidem, alguns próton batem e outros passam reto. Então na verdade são milhões de colisões acontecendo num intervalo de tempo muito pequeno. Além disso, esses experimentos são tipo máquinas fotográficas gigantes e mega caras instaladas nos pontos em que os prótons colidem. O que é legal dessas máquinas é que elas possuem várias camadas e cada uma delas tem uma função, por exemplo, em uma das partes as partículas com carga elétrica aparecem e as partículas neutras não. Dessa forma, sabemos o que saiu daquela colisão de prótons em uma certa direção, se foi uma partícula carregada ou não. No fim, o que chamamos de evento, isto é a “foto” de uma colisão de prótons, tem essa cara (na qual os riscos são trajetórias de partículas):

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A reconstrução de um evento nos diz que partículas temos e como elas foram produzidas, isto é como os constituintes dos prótons se combinaram. Mas um evento não é necessariamente igual a outro e aí entra o porquê a estatística é tão importante: certos processos físicos envolvendo as partículas elementares são mais comuns do que outros. Lembre-se que os prótons são formados de partículas chamadas quarks e também de glúons (que são responsáveis por manter os quarks ligados, através da chamada “força forte”), quando dois prótons colidem, os quarks e os glúons podem se combinar de várias maneiras diferentes, algumas mais comuns e outras mais raras. No caso do bóson de Higgs, sabemos que a chance dele surgir nessa colisão é super pequena. Então temos que ficar colidindo, guardando todos os eventos e procurando em quais ele aparece. Ainda assim, achar apenas um evento em que o bóson de Higgs apareceu não é suficiente. Uma colisão de prótons é algo complicado, os detectores são complicados e mesmo que a gente tenha um bom controle de tudo, temos que ter certeza que aquele evento tem um bóson de Higgs mesmo e é por isso que usamos estatística. Uma maneira de procurar o bóson de Higgs é procurar um evento em que você tenha dois fótons com certas característica porém, outras partículas também podem produzir fótons. Logo, tem uma série de processos que terminam em dois fótons e que você sabe que não tem o bóson de Higgs envolvido. Os eventos correspondentes a essas situações são o que chamamos de “fundo”. Ou seja, o fundo vai ser tudo que você sabe que termina em dois fótons e é esperado pelo MP, e se você medir algo diferente do fundo então você mediu algo não previsto pelo MP.

No caso do Higgs, a gente pode olhar para todos os eventos que têm dois fótons no final. No eixo vertical tem o número de eventos e no eixo horizontal, a energia desses fótons. As bolinhas são o que foi medido no experimento CMS, a linha vermelha tracejada representa o que chamamos de “fundo”. Como você pode ver você esperava um certo número de eventos para uma dada energia dos fótons mas na verdade você mediu mais! O que significa que tem alguma coisa virando fótons e que você não tá levando em conta, no caso, é o bóson de Higgs!

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Agora, tem uma coisa que tem que tomar cuidado: você pode ver que tem bolinhas um pouco pra cima e um pouco pra baixo da linha vermelha, mas a gente nem liga pra elas. Por quê?

Pense que você tem uma moeda e nada pra fazer, então você joga ela pra cima e vê se saiu cara ou coroa. Suponha que você jogou 10 vezes esperamos 5 vezes “cara” e 5 vezes “coroa” . Se sair 7 vezes “cara” e 3 vezes “coroa” significa tem algo errado?  Não, a probabilidade disso acontecer é menor mas existe. Agora depois de jogar 1000 vezes, a chance de sair 700 vezes “cara” é maior ou menor que quando você jogou 10 vezes? Menor, certo? Não é impossível, mas é improvável, a probabilidade é muito menor disso acontecer, na média esperaríamos algo em torno de 500 vezes “cara”.

Isso explica as bolinhas para cima e para baixo. Quando você olha para estatística dos eventos em geral, as bolinhas variam em torno da linha “média”, você tem flutuações estatísticas, mas depois de analisar muitos eventos a chance da bolinha ficar muito longe da linha vermelha  (ou seja no caso cara ou coroa, muito distante dos 50% pra cada) é muito pequena, assim como quando você aumentou o número de vezes que jogou as moedas. É por isso que antes de anunciar que descobrimos uma nova partícula, temos que ter certeza que ela não é uma flutuação estatística e para isso, em geral, usamos a medida dos “5 sigmas” (fica para outro post explicar melhor isso), mas o que você precisa saber é que dizer que o bóson de Higgs foi observado com 5 sigmas de significância nos diz que a probabilidade do “calombinho” do gráfico ser uma flutuação estatística é 1 em 3.5 milhões. Para completar, esperamos a confirmação de um outro experimento usando um equipamento completamente diferente, pessoas diferentes e análises diferentes. Nesse caso, o bóson de Higgs foi confirmado com mais de 5 sigmas no ATLAS e CMS e não só olhando para fótons, mas para análises com outras partículas também.

Se você ainda não desistiu de ler o texto gigante, agora chegou a hora que eu falo do anúncio de dezembro. Com o LHC funcionando com mais energia, eles fizeram esses gráficos que correspondem ao mesmo que eu mostrei anteriormente, mas agora para massas bem maiores que a do bóson de Higgs (então o “calombinho” do Higgs em 125 GeV não aparece).

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Nesse caso, eles ainda não tem muitos eventos e as barras de erro ainda estão grandes. Mas o que os dois experimentos estão vendo é um “mini-calombinho” que corresponderia a uma nova partícula com massa igual a 750 GeV. Os experimentais deixaram claro que ainda não podemos tirar nenhuma conclusão pois são necessários mais eventos para ter certeza que isso não é apenas uma flutuação estatística. Ou seja, ainda não foram obtidos “5 sigmas” nos experimentos. Os teóricos não quiseram perder tempo e publicaram 251 papers assumindo que existe uma partícula de 750 GeV com certas características e analisaram quais “modelos além do MP” seriam capazes de explicar isso.

Essa semana, o ATLAS e o CMS atualizaram a análise. O CMS incluiu alguns eventos que eles não tinham incluído antes (basicamente porque eles tiveram um problema com o campo magnético do experimento e haviam excluído esses dados, mas para essa análise, especificamente, o campo magnético não importa, então tudo bem eles usarem) e observaram que o “mini-calombinho” aumentou um pouquinho. Eles também incluíram os dados do Run1 (quando o LHC funcionou com 7-8 TeV) e viram que não existe contradição entre os dados do Run1 e Run2.

Resumindo, o status não mudou, ainda precisamos de mais dados para dizer se é uma partícula nova ou uma flutuação estatística. Mas fica o otimismo depois de ver que, mesmo incluindo um pouco mais de dados e refazendo a análise com mais cuidado, o “mini-calombinho” cresceu ao invés de diminuir. Agora é esperar para ver se teremos uma revolução na física ou apenas uma história para contar no bar.

PARTE 2

No final do ano passado, o experimentos ATLAS e CMS anunciaram os resultados das análises feitas no Run2. O que eles apresentaram foi um possível sinal de uma nova partícula bem mais pesada que o bóson de Higgs, com uma massa de 750 GeV. Muitos papers teóricos depois, uma atualização da análise foi apresentada hoje em Moriond. A análise foi feita com mais cuidado para uma partícula de spin-0 e de spin-2 (os dados parecem preferir spin-0), os dados do Run1 (7-8 TeV) foram reanalisados e estão de acordo com o observado no Run2 (em dezembro, ainda havia uma discussão sobre uma possível inconsistência) e o CMS incluiu dados que foram excluídos na primeira análise pois havia um problema com o campo magnético (para esse análise em particular, isso não é um problema por isso esses dados foram incluídos). O jogo dos sigmas pode ser visto na tabela abaixo (peguei desse blog):

A conclusão continua ” keep going and take more data” mas, se você for uma pessoas otimista, pode ficar feliz porque o 750 GeV passou pelo primeiro teste. Mais informações e alguns plots no Ressonances.

Do lado teórico, a contagem tá em 251 papers e subindo. Uma projeção de quantos papers teremos até o próximo anuncio pode ser encontrada em “A Theory of Ambulance Chasing”, que resume bem o status da física de partículas nos últimos tempos. Resta esperar para que desta vez o sinal não tenha um final trágico.