Temos Ondas Gravitacionais. E daí?

14 de Setembro de 2015. 6:50 no horário de Brasilia. Os dois observatórios do experimento LIGO estavam a apenas duas semanas operando em modo de testes em antecipação para a primeira aquisição de dados após o upgrade que começaria quatro dias depois. Quando nesse momento, exatos 100 anos após Einstein ter previsto sua existência, foram observadas ondas gravitacionais pela primeira vez na história da humanidade. Mas o que são ondas gravitacionais?

Simulação mostrando um sistema binário de buracos negros. Mais informações: http://www.black-holes.org

Simulação mostrando um sistema binário de buracos negros. Mais informações: http://www.black-holes.org

Como esse post está atrasado talvez você tenha lido em algum lugar que ondas gravitacionais são pequenas vibrações no tecido do espaço e tempo. Afinal na teoria da Relatividade Geral a gravidade é apenas a curvatura do espaço e tempo. Óbvio não?

Tá aí, não entendeu?

Imagine que você está em Fortaleza agora e uma amiga sua em Sobral, duas cidades na mesma latitude separadas por 189km. Porque tá muito calor vocês decidem ir em direção ao Sul. Mas estão decididas a ir pro Sul reto mesmo, seguindo linhas paralelas. E como você lembra das aulas de geometria no colegial (sim, eu me engano) retas paralelas mantém sempre a mesma distância entre si. Ok, segue andando, chega na Bahia, pula no mar e continua continua até chegar num lugar mais ameno, tipo a Antartica. Chegando lá vocês percebem que ao pisar no gelo estão a 40km de distância uma da outra.

Óbvio, você diz, a Terra é redonda. Agora tenta explicar isso pra alguém que acha que a Terra é plana. Ele vai dizer que existe uma força universal que aproxima objetos conforme eles se afastam do Equador (a linha, não o país). Então curvatura é isso, significa que quando você transpõe objetos de um lugar para outro as distâncias, áreas, etc, mudam. Um outro jeito de ver isso é que a curvatura da Terra é sinônimo de que não existe um mapa que preserva ângulos e áreas ao mesmo tempo.

No lado esquerdo a projeção de Mercator, que preserva ângulos, no direito a projeção de Mollweide, que preserva áreas. Figura desse curso de Geografia Física : web.gccaz.edu/~lnewman/onlinge_geog.html

E a gravidade? Na Relatividade Geral a presença de uma estrela, ou qualquer objeto massivo na verdade, faz o espaço ao redor dela parecer maior para os seus olhos que estão acostumados a pensar que a luz segue linhas retas. Aí quando você passa para um mapa que preserva áreas você é forçado a curvar as retas, como se passa da projeção do Mercator para a do Mollweide. Perceba como na figura direita parece que a Antartica atrai os meridianos.

E lembre que outro ponto da teoria da relatividade é que nada viaja mais rápido que a luz, que tem uma velocidade finita fixa (300,000 km/s). Suponha que você queira medir a distância sua até a Lua. Os astronautas da Apollo deixaram um espelho lá. Então tudo que você precisa fazer é mirar um laser no espelho (de boas) e medir quanto tempo demora para a luz voltar. Sabendo o tempo e a velocidade você descobre a distância. Mas pera aí, você acabou de dizer que a presença de massa muda as distâncias, então o que acontece com o tempo? Exato, caro leitor. Como você já percebeu, se a presença de massa muda as distâncias então ela muda também durações de intervalos de tempo, ela curva o tempo. A diferença é que o tempo parece passar mais rápido (menor comprimento entre dois instantes). O que significa que nos relógios que mantém o mesmo ritmo (mesma duração entre dois instantes) o tempo passa mais devagar perto da estrela.

Aliás, como você pode perceber, o fato de que a velocidade da luz é fixa implica que não podemos separar o espaço do tempo. Nas palavras do Hermann Minkowski em 1907:

As visões de espaço e tempo que desejo mostrar a vocês surgiram do solo da física experimental, e nisso reside sua força. São visões radicais. De agora em diante espaço por si só, e tempo por si só, estão fadados a desvanecer em meras sombras, e apenas um tipo de união dos dois preserva uma realidade independente.

e isso que é o espaço-tempo, essa mistura inseparável de medições de distância e duração, que é alterada, curvada, pela presença de massa.

Beleza Cesar, sete parágrafos e você ainda nem falou de ondas gravitacionais. Eu sei, eu falo muito. Perceba que na projeção do Mercator as áreas não são distorcidas igualmente, o que está perto do Equador está menos deformado que os Polos. Imagine que eu pego uma estrela e saio mexendo ela por aí. Vai ter um lag de tempo, um atraso, até os lugares mais distantes ficarem sabendo aonde ela está agora, por causa da velocidade finita de propagação da informação. Começando da estrela vai ter uma onda de atualização do mapa do espaço e tempo explicando quais lugares parecem maiores ou menores, ou em quais lugares as “retas” mudam de posição. E essa onda de F5 dando refresh no mapa é que são as ondas gravitacionais. Simples né?

O problema é que essa atualização custa energia. E quem dá essa energia? A estrela, claro, ela que tá querendo mudar a situação. A primeira vez que vimos evidência disso foi com a Binária de Hulse-Taylor, um sistema binário composto de duas estrelas de nêutrons que emitem sinais de rádio que a gente pode medir usando radiotelescópios. Acontece que ao longo dos anos, após sua descoberta em 1974, os astrônomos foram percebendo que conforme os anos passam o tempo que demora para esse sistema completar uma órbita vem diminuindo. Isso porque conforme as estrelas se movem elas emitem ondas gravitacionais, que retiram energia do sistema e faz com que elas se aproximem cada vez mais. A observação de que a perda de energia é exatamente aquela prevista pela relatividade (através da emissão de ondas gravitacionais) deu para o Hulse e o Taylor o prêmio Nobel de 1993.

Então perceba que a existência de ondas gravitacionais não era nada controverso. Então porque procurar elas? Primeiro porque é diferente ter motivos para acreditar e ver com os próprios olhos (sem piadas com traição aqui, faça elas sozinho). E segundo porque nem tudo no universo emite luz, mas tudo que anda emite ondas gravitacionais. Então conseguir detectá-las é a chave para descobrir novos objetos astronômicos.

Como o LIGO faz isso? Cada um dos dois observatórios é uma prédio em forma de L de 4km de lado. Na junta do L tem um feixe de laser que se separa, vai andando por um tubo de vácuo em cada braço do L, atinge um espelho no final e é refletido de volta. Os feixes são preparados de modo que, os dois braços tendo o mesmo comprimento, quando eles se reencontram um feixe aniquila o sinal do outro, através de interferência destrutiva. E agora você já percebeu o que eles medem. Quando passa a onda gravitacional ela muda a distâncias nos braços, de modo a atrapalhar a interferência e fazendo surgir um sinal remanescente.

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Observatório em Hanford, Washington. Cortesia Caltech/MIT/LIGO Laboratory

O problema é que a gravidade é muito fraca, veja que precisa da Terra inteira para te manter preso no chão. Então a onda também é fraca. Para detectar ela você precisa perceber uma mudança de um bilionésimo de bilionésimo de milímetro. Quão pequeno é isso? Pega o tamanho do seu braço. Divide por um milhão até chegar no tamanho das suas células. Divide por um milhão até chegar no tamanho dos seus átomos. E divide por um milhão de novo até estar no milésimo do tamanho do núcleo. Esse pequeno.

E que o LIGO viu? Um sinal que durou 2 décimos de segundos no observatório de Livingston. E 7 milisegundos depois o mesmo sinal no observatório de Hanford. Esse sinal aqui.

GW Data 3-panel

As flutuações da distância. Cortesia Caltech/MIT/LIGO Laboratory

Parecem aquelas curvas dos displays de aparelhos que tocam música não? (As pessoas ainda usam esses aparelhos né?) Isso é chamado de forma de onda. No aparelho é a forma da onda acústica que faz a música, aqui da onda gravitacional.

Lembre que cada nota musical é uma frequência de som, notas mais graves são frequências baixas e notas mais agudas frequências mais altas. Mas a mesma nota em instrumentos diferentes não soam iguais certo? A diferença é o timbre, que são as pequenas diferenças dentro do ciclo da onda.

No LIGO dá pra ver alguns ciclos que vão aumentando de frequência, isso é são notas cada vez mais altas. Até que há uma mudança no padrão e depois o sinal morre. Os ciclos no começo dizem que tem dois objetos em um sistema binário, das notas e do timbre você descobre que são buracos negros, assim como as suas massas. O volume diz pra gente a distância do evento. Você pode testar a sua capacidade de ouvir a colisão de dois buracos negros nesse jogo online aqui onde existem vários sinais simulados e você deve achar o que tem ondas gravitacionais.

Então é como alguém estivesse tocando uma música e o LIGO de olho fechado tivesse que adivinhar as notas, o instrumento e onde a pessoa está, com um barulho de estatica de TV para atrapalhar. Tipo um Qual é a Música do Silvio Santos, só que no nível hard. A diferença é que o “instrumento” que eles acharam eram dois buracos negros (aqui para saber mais deles) de aproximadamente 30 vezes a massa do Sol que colidiram um com o outro. A 1.3 bilhões de anos-luz da gente!  Depois da colisão 4.6% da massa original no sistema foi emitida em ondas gravitacionais, em apenas 0.2 segundos. A fusão nuclear, por exemplo, só transforma 0.4% da massa em energia.

No vídeo abaixo é possível ouvir o som das ondas gravitacionais, ver a simulação do sistema binário de buracos negros e também, ver o efeito das ondas gravitacionais no LIGO. Note que o efeito está exagerado no vídeo, como já foi dito precisamos olhar em escalas muuuuito pequenas para observar isso.

Ai Cesar, muito bonito tudo isso, mas você mesmo disse que eles deram sorte de detectar isso antes mesmo de da primeira tomada de dados. Se é real, porque eles não viram mais nada nos outros três meses de operação? Só que eles viram mais coisas! Hoje o LIGO divulgou mais resultados, e entre eles um sinal que apareceu dia 12 de Outubro, de outra colisão de buracos negros, esses provavelmente de 13 e 23 vezes a massa do Sol. Eles só não divulgaram porque existe 2% de chance de ser um falso positivo, e eles querem ter certeza. Isso sem contar os dados que eles ainda não divulgaram, provavelmente porque ainda não deu tempo de analisar. Então sorte teve, de aparecer um sinal tão forte, mas tudo faz sentido, apareceram sinais mais fracos também, como deveria.

1900 palavras depois, qual a moral dessa história? Que físicos conseguem fazer equipamentos impressionantes? Sim. Que pela primeira vez temos evidências concretas de objetos que se comportam como buracos negros não só por serem muito massivos? Sim. Que pela primeira vez vimos um sistema binário de buracos negros? Sim. Que as massa do remanescente é 4 vezes a do maior candidato a buraco negro estelar conhecido. Também. E que com uma estimativa conservadora de entre meio e uma dezena de eventos por ano no LIGO, devemos abrir as portas para objetos astronômicos que nem imaginamos, mudando a astronomia? Pode apostar.

Ah. Também achamos pela primeira vez perturbações no espaço e tempo produzidas a muito tempo atrás, numa galáxia muito muito distante.