Sobre Universidades no Exterior e no Brasil

Indubitavelmente você já leu, viu na TV, ou conversou com amigos e familiares, sobre os problemas do ensino superior no Brasil. São diversos tópicos, como o acesso ao ensino superior público favorecer aos socioeconomicamente privilegiados, a estagnação das universidades em rankings internacionais, a inadequação do ensino acadêmico em relação ao mercado de trabalho, propostas de ensino a distância, o glorioso Ciências sem Fronteiras, entre outras coisas. Eu queria falar algumas coisas sobre isso. Mas antes, blitzkrieg de links (vários deles graças ao Ross McKenzie).

O canal ABC australiano (que é público) tem uma estória sobre o sistema universitário Down Under chamada Degrees of Deception que você pode assistir no link. Em resumo ele discute que as pressões financeiras nas universidades levaram a um sistema que admite estudantes estrangeiros independentemente de suas qualificações, pois as anuidades deles correspondem a uma parcela significativa do orçamento atualmente. Consequentemente o corpo docente é “incentivado” a não reprovar alunos para manter o volume do corpo discente pagante.

O economista John Quiggin tem um artigo sobre como as mudanças nos rankings de universidades são majoritariamente processos aleatórios, os rankings apenas constatam obviedades, e que portanto eles não são parâmetros para políticas de ensino superior.

Finalmente tem o documentário Ivory Tower, sobre o ensino superior americano em geral. Muito, muito bom (não sei se tem no Netflix), ele mostra como o valor das anuidades das universidades cresceu acima de qualquer outro item nas últimas décadas, inclusive superando os custos de planos de saúde (dá um google em Obamacare se não ficou chocado). Entre os vários tipos de instituições de ensino superior o documentário passa pelo problema de que o ganho financeiro ao frequentar uma universidade de segunda linha não compensa o débito acumulado com empréstimos estudantis (empréstimos esses que já ultrapassaram U$ 1 bilhão, sendo o maior montante de débito acumulado nos EUA, maior que os cartões de crédito); a disparidade socioeconômica enorme em universidades de elite (aqui sobre que tipode pessoa consegue entrar em Harvard), a falha monumental do ensino a distância, o papel da universidade na formação de cidadãos e não só de trabalhadores, bem como a história da Cooper Union, uma instituição de ensino superior que era (até a gravação do documentário) gratuita (embora não pública).

E o que tudo isso tem a ver com o Brasil? Se ainda não ficou claro, esse artigo do The Atlantic sobre universidades brasileiras deve resolver. Existe um conceito (que não estou defendendo, mas que é útil) em certos setores como educação e saúde chamado “Triângulo de Ferro” (Iron Triangle), constituído de Acesso, Qualidade e Custo. E quase todas esses links fazem referência a aspectos do problema que o aumento dos custos das universidades não está correlacionando com melhora nem na qualidade nem no acesso.

Que essa discussão é relevante para as universidades privadas acho um bocado óbvio, mas que ela também é presente nas universidades públicas não deixa de ser verdade (você pode acompanhar a crise financeira da USP na Falha de São Paulo, como sempre). E isso é o que me surpreendeu, que a despeito de o Brasil e os EUA terem modelos distintos para universidades, que passaram por processos históricos diferentes, ainda assim estamos atualmente discutindo os mesmos problemas. Um dos paralelos mais interessantes é o motivo do custo da universidade ter aumentado. Aqui no NY Times uma discussão de que não basta olhar o investimento bruto do estado. Mesmo que esse investimento aumente, se o número de vagas ofertadas aumentar ainda mais rápido então proporcionalmente os custos sobem. Isso sem contar os salários cada vez maiores das funções puramente administrativas. Ambos fatores discutidos apenas no âmbito americano mas que se encaixam perfeitamente a realidade das universidades brasileiras.

Então, depois de tudo isso, o que eu tenho a dizer sobre o assunto? Não muito na verdade. Apenas uma sugestão para que, em face destes dados, da próxima vez que você se pegar discutindo os problemas do ensino superior talvez deva considerar que a raiz dos problemas não esteja nas características específicas da nossa estrutura universitária. Sempre me surpreendo o quão pouco as inadequações do ensino fundamental e médio tomam parte na discussão.

Por exemplo, é frequente citar que o vestibular incita uma “corrida armamentista” no ensino privado para aumentar a chance dos alunos passarem na prova, corrida essa das quais, infelizmente, o ensino público não consegue participar paritariamente. Isso é evidência da inadequação do vestibular ou da estrutura do ensino médio? Tenha em mente que atualmente mais da metade dos alunos da USP não consegue se formar no prazo esperado (tipicamente de 4 anos para um curso de bacharelado).

Em outra instância, temos inúmeras histórias de alunos universitários que reclamam que suas aulas são inúteis e desmotivantes, que a universidade tem um modelo arcaico que não se adapta aos tempos modernos. Por que nunca discutimos a insistência da sociedade atual na validação social (e econômica) atribuída ao grau superior? Por que, se imagino que concorde que a universidade deveria ser um direito do cidadão, não discutimos que em alguns casos não deveríamos exigir ensino superior para que alguém tivesse uma vida digna. Que várias profissões exigem curso superior completo independentemente da necessidade real. Afinal, como já ouvi uma vez, “para ser jornalista basta ler a obra completa de Machado de Assis. O resto se aprende em uma semana de redação”.